Olá, Pessoal!
Desejo encontrar-lhes desfrutando de saúde e paz.
Posso dizer que estou bem, pois estou “limpo”, só por hoje e isso já é motivo o suficiente para que eu esteja bem.
Sem postar a alguns dias, recebi alguns telefonemas perguntando
o que havia acontecido para que eu não estivesse escrevendo. Quero tranquilizar
meus amigos(as) que se preocupam comigo de que está tudo bem e não tive fazendo
postagens por motivos alheios a minha vontade.
Mas agora estou aqui novamente para compartilhar fé, forças e
esperanças, para que meu dia seja produtivo e alegre e, principalmente, sem uso
de drogas.
Estou, neste momento, na comunidade terapêutica... quer dizer,
numa espécie de “comunidade terapêutica”, pois
apenas assemelha-se ou, no máximo, tenta ser uma. (Digo isso pelo fato
da falta de estrutura, tanto material, quanto pessoal, apesar da grande boa
vontade e dos responsáveis pela casa).
Estou aqui fazendo atividades com os 36 internos que temos. Uma
parte deles está ali, cuidando do terreno em enorme que a casa dispõe. Estão
limpando, varrendo, apanhando as folhas, enquanto que outro grupo está cuidando
das plantas, pois eles levam parte da produção para a feira que acontece todos
os sábados aqui na cidade. Outro grupo está trabalhando na produção de
pré-moldados, pois conseguimos trazer essa atividade para a casa recentemente e
uns deles estão muito empolgado com a nova terapia.
Também temos outro grupo que está produzindo trabalhos artesanais,
como canetas decoradas com linha, trabalhos com palitos de picolé (barcos,
casas, abajur, porta joias, porta retratos, etc).
A beira de um açude, pequeno grupo se aglomera, atirando ração
para peixes e pescando por esporte, devolvendo os peixes fisgados ao pequeno
açude na propriedade da casa.
Há também uns que estão limpando as coisas na cozinha, enquanto
que outros já providenciam o almoço.
As atividades matinais já estão próximas de se encerrarem e
alguns esperam pelo almoço, deitados nas redes espalhadas pelo espaço do pátio.
Eu aqui, sentado, ao lado de um grupinho de quatro jovens, que
conversam entre si, sobre casamento. Uns deles se relacionam com as meninas
internas na unidade feminina e estão fazendo planos de se casarem. O assunto os
deixa motivados para uma nova vida, novos compromissos, novas metas e
objetivos.
Cá em meus pensamentos, observo como eles levam diferente sua
rotina na casa.
Pouquíssimo deles, pra não dizer nenhum destes que aqui estão,
tinham o hábito de ajudarem nas atividades de casa, quanto ainda moravam com
suas famílias.
Aqui, após fortes chicotadas do submundo, eles se dispõem,
voluntariamente, a fazerem coisas que relutaram anos e anos para não fazerem.
É o caso de um que observo daqui de onde estou sentado. Ele
mesmo conta em suas partilhas que nunca havia segurado uma vassoura, durante
todo o tempo em que se dá conta de vida. Viveu conjugalmente durante mais de
uma década, mas nunca ajudou nas atividades domésticas. E ainda chegava
reclamando em casa quando as coisas não estavam como ele queria.
Aqui na casa, junto aos demais, ele leva uma rotina totalmente
diferente. Ele é um dos que são da equipe de limpeza. Ele é responsável pela
limpeza tanto do pátio, quanto da caixa de gordura. Faz isso duas vezes por
dia, todos os dias, de segunda a segunda, faça sol ou faça chuva.
Conversando com ele ainda há pouco, o escutei dizer que sabia
das consequências que as drogas poderiam trazer-lhe. Ele sorriu e disse:
“Aquela vida que eu tinha eu sabia que eu poderia ir parar numa cadeia, como de
fato fui. Eu sabia que podia ir parar num hospital, como de fato fui. Eu sabia
que podia sair de casa, perder família, como de fato aconteceu. Eu sabia que
podia morrer, como quase aconteceu. Eu só não sabia que minha vida louca podia
me ensinar a varrer terreiro e lavar louça, coisa que eu nunca quis fazer na
vida”.
O observo aqui ele ensinando a um recém chegado onde deve ser
colocado o lixo recolhido. Ele já não é mais tão arredio quanto antes. Não
tenta fumar escondido dentro da casa e até vigia os que tenta fumar folhas
seca.
Sua simpatia consegue aproximar até mesmo os que estão aqui
procurando apenas uma oportunidade para ir embora. Seu jeito bruto já não mais
espanta, pois ele hoje consegue se permitir ser o homem de bem que as drogas
conseguiram esconder dentro dele mesmo.
Eu continuo aqui sentado, sentindo a brisa. Continuo olhando as
folhas caindo e um certo grupo já reclamando da natureza, pois acabara de
varrer embaixo das mangueiras gigantescas que tem no terreno. Mas também
continuo escutando vozes dizendo: “Tem nada não! Deixa cair! Nós tamos aqui pra
apanhar!”.
Essas vozes soam diferente nos ouvidos dos que ainda não querem
ou não conseguem se submeterem ao tratamento. Ainda não conseguem se renderem
ao processo de terapia ocupacional para minimizar a vontade de estar na rua,
perto das drogas e dos que delas usam. E enquanto essa voz soar estranhamente
em seus ouvidos, mui lamentavelmente a recuperação se distancia.
Entretanto, aos que conseguem escutá-la tão suavemente quanto o
canto dos pássaros que cantam nos pés de manga, sua recuperação, só por hoje,
será possível.
“Qualquer adicto que
tenha o desejo de parar de usar drogas, pode parar de usar, perder o desejo de
usar e encontrar uma nova maneira de viver...”.
Essa maneira de viver está diretamente condicionada com seu grau
de rendição e renúncia, pois aqueles(as) que ainda alimenta qualquer esperança
de controlar seu uso e/ou não consegue se entregar inteiramente ao processo do
tratamento, infelizmente essa reserva irá levá-lo a loucura e a morte
prematura.
Só por hoje, eu não quero usar drogas e não irei usar drogas.
Só por hoje continuarei voltando. Só por hoje continuarei sendo
grato pela minha recuperação e minha gratidão fala quando me importo e
compartilho com os outros o caminho de NA.
Um forte e carinhoso abraço!
Que o Poder Superior, em Sua infinita bondade, nos conceda o
direito de reconhecer, aceitar e realizar a Sua Vontade em todas as nossas
épocas e lugares, para que só assim, possamos ser merecedores de Suas Dádivas,
como saúde, paz, serenidade e sobriedade.
Eu continuo sendo o Júnior, um adicto em recuperação, Limpo, Só
Por Hoje.
TAMUJUNTU.
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